A epidemia do novo coronavírus coloca diante de nós enormes desafios em todos os planos da vida humana. Vivemos dias de águas turvas e turbulentas, sem saber como e quando sairemos delas.
No plano do poder político, já existiam sinais prévios de crise: um desalinhamento entre poder e fonte de legitimidade, com questionamentos sobre a democracia representativa; tensão entre transparência, vigilância e contravigilância como ferramentas de luta política; crise nos critérios de validação das informações, levando às fake news; conflitos gerados pela elevada concentração de renda, exclusão de qualquer cidadania aos imigrantes e pelos confrontos entre interesses globais e nacionais.
É em meio a este processo que acontece a pandemia. Os limites entre o fortalecimento do poder de controle do Estado, sobretudo dos executivos governamentais, necessário à coordenação de ações para preservação da vida humana, não devem justificar meios de vigilância massiva postos em funcionamento sem prestação de contas.
É preciso equilibrar a balança entre os governos saberem cada vez mais sobre o cidadão, e o cidadão, cada vez menos sobre os governos.
Se este quadro é quase universal no mundo hoje, no Brasil pode ser agravado pela nossa tradição centralizadora do poder político, que já atravessou longos períodos de regimes autoritários. Preocupação em dobro!
Fomos o 90º país no mundo a reconhecer o direito do cidadão de acessar informações sobre a condução da coisa pública. Levamos 23 anos para conseguir regulamentar o artigo da Constituição de 1988, onde está previsto. A LAI, finalmente aprovada em 2011 (lei 12.527), é bem-avaliada nos estudos internacionais da área.
No entanto, em pouco mais de um ano passamos por duas tentativas de mudança da lei: em janeiro de 2019, com proposta de ampliação dos cargos funcionais que poderiam classificar as informações como sigilosas, e agora, na lei que regula situação de emergência para combater o coronavírus, com mudança nas regras para o tempo de resposta. Em ambos os casos, as tentativas foram abortadas, pelo contrapeso dos poderes Legislativo e Judiciário e da sociedade civil.
Como trabalhamos – eu e os orientandos – com este tema de pesquisa no Programa de Pós- Graduação em Ciência da Informação UFRJ/IBICT, propus desenvolver a pesquisa Covid-19: acesso à informação pública. A ideia foi aceita com empolgação por todos, que não mediram esforços para cumprir a tarefa, em tempo curto. A cada um de vocês agradeço a adesão e a dedicação demonstradas.
Ana Maria Barcellos Malin PPGCI UFRJ / IBICT
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